O dia amanheceu abafado, causando mal estar já nas primeiras horas da manhã daquele sábado. Não tinha previsões de chuva. Embora estivesse um dia estranho, com uma forte neblina que ofuscava o brilho do sol.
Anita espreguiçou-se na cama, e através da janela aberta propositalmente por sua mãe para acorda-la, ela observou o tempo esquisito, e pensou:
― Hum... Acho que não vai dar praia...
Pulou da cama, e enrolando-se em uma toalha saiu do quarto com a escova de dentes na mão, em direção ao banheiro que ficava no quintal. Ela andava preguiçosamente, remoendo o mal humor que era acometida todos os dias pela manhã quando tinha que ir para o tosco banheiro no meio do tempo.
Ela pensava:
― Um dia terei uma casa com banheiro igual ao de Arlene... ― e a imagem se formava na sua mente. Em vez daquele rustico cercado de madeira, teria paredes de concreto, coberta com lage e um bom chuveiro despejando água bem forte no seu corpo.
Saiu a contra gosto do seu devaneio ao sentir o jato d'água gelada saindo do cano branco encardido, e ao levantar o rosto para o céu voltou a pensar em Arlene. As duas haviam programado ir a praia tomar banho de mar. Mas, será que aquela doida viria mesmo? Estava um dia tão estranho. Ela pensou balançando a cabeça com ar de dúvida.
Terminou o banho e entrou em casa pela cozinha com os cabelos pingando água. Esbarrou na mãe, que logo reclamou do rastro de respingos de água no piso de cimento. Ela entrou no quarto e a mãe seguiu atrás falando ― Anita! Você aqueta o facho dentro de casa hoje, que o tempo tá muito feio.
― Ah mãe... Marquei de tomar banho de mar com Arlene.
― Só se fizer sol, pois com chuva você não vai.
Anita fez um muxoxo com a boca, e foi se vestir. Colocou um biquine, vestiu um short com uma camiseta e se dirigiu a cozinha para tomar café.
A briga do sol com aquela especie de neblina que lhe ofuscava, pareceu vencer, pois o tempo clareou.
― Ta vendo mãe, o sol tá aparecendo – e com um sorriso de satisfação, ela viu a mãe olhar para o céu e falar:
― É, parece que vai abrir o tempo.
Anita estava feliz, queria ir tomar um bronze com a amiga, estava terminado o café quando ela chegou, foi logo falando
― Anita, eu tava rezando pra o tempo ficar bom, sabia que sua mãe não ia deixar você ir se chovesse.
Anita sorriu e respondeu – pelo gosto dela, marcou chuva, ninguém sai de casa.
As duas saíram, e ao passar ouviam os suspiros dos rapazes e sentiam a inveja das meninas. Arlene era muito alta para seus 17 anos. Os cabelos negros de um liso pesado que lhe dava uma beleza selvagem de índia, tinha um rosto arredondado marcado pelos belos olhos negros e graúdos. Sabia que era bonita, e esnobava, usando roupas chamativas que realçava a sua estonteante beleza que era o oposto da beleza de Anita, tão alta quanto a amiga, ela tinha cabelos ruivos e olhos verdes, era bastante madura para os seus 16 anos.
Apesar do tempo instável, o mar estava lindo, com suas águas refletindo os reflexos do sol, que parecia um espelho.
As duas entraram no mar e se deliciaram por um bom tempo. Quando sentiram o sol esfriar de repente, saíram da agua e foram deitar na areia. Em segundos, o céu tornou-se escuro como carvão. Anita lembrou das palavras da mãe e falou – vamos embora Arlene, pois acho que é bem capaz de cair chuva.
― ah... Anita, vai dizer que você tem medo de chuva também? Vamos esperar, é só uma nuvem...
Para agradar a amiga ela continuou deitada, mas não demorou muito e ouviram o ronco de uma trovoada. Anita levantou-se de um pulo e falou ― vamos embora!
A contra gosto Arlene se levantou, sacudiu a areia e acompanhou a amiga que andava a passos largos.
Notando a cara feia de Arlene, ela falou ― agente toma banho e fica la em casa, tenho uns gibis legais que comprei, e se a chuva passar agente vai pra praça de tardinha.
Já estava caindo grossos pingos de chuva quando elas entraram em casa, do quarto a mãe de Anita falou ― vocês estão doidas, vão logo tirar estas roupas molhadas, pois vai cair um aguaceiro.
Com um risinho de gozação Arlene falou ― vou lá fora tomar um banho pra tirar esta areia.
― Você ta doida Arlene, agora não! Deixa passar a chuva. Anita falou para ela com a voz tremula, pois acabara de ver um forte relâmpago rasgar o céu.
Sorrindo Arlene falou ― deixa de bobagem Anita. E saindo para os fundo da casa ela disse: - então fica ai cheia de areia.
Anita entrou no seu quarto que já estava de janela fechada cheia de panos nas frestas para não passar claridade. Sentou na cama e ficou pensando como a sua amiga era maluca. De repente, ela viu um fortíssimo clarão seguindo de um forte estrondo que abalou as paredes da casa. Tremendo, ela correu para o quarto onde já estavam sua mãe e seus irmãos rezando.
Não chegou a sentar e viu outro clarão com um estrondo demorado, parecendo que o mundo viria abaixo.
Pouco depois ouviram os gritos aterrorizantes de um vizinho.
Sem ação e sentindo o sangue gelar nas veias, Anita pensou na amiga que não entrara para dentro de casa.
Esquecendo dos clarões e da trovoada, ela saiu correndo para a cozinha e da porta pensou em chama-la, mas a cena que viu lhe paralisou por alguns minutos. Sua voz saiu fraca, quase muda ― Meu Deus! Arlene, nãaao!!
Sua mãe, ao perceber que havia algo de errado, veio correndo em seu auxílio a tempo de lhe receber nos braços na hora exata em que ela desmaiava.
Gritou por socorro, mas ao olhar para o fundo da casa, os olhos arregalaram de pavor.
Os vizinhos entraram para acudir as duas e puderam observar a grotesca cena de um corpo totalmente carbonizado e encolhido nada restando da bela Arlene.
O tempo passou e Anita nunca pode esquecer aquele triste episódio da sua vida. Casou-se e teve filhos, e para eles passou o seu trauma de medo da chuva.
Janett Morais